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Relato da percepção do cotidiano

Postado por Mayara Silva sexta-feira, 17 de setembro de 2010 1 comentários

       O portão de alumínio quase me ensurdece os ouvidos. Caminho uns passos e ouço o barulho do mar. Está calmo hoje, penso. Então observo a rua de terra. Batida, poeirenta, quem sabe simpática por me deixar pisar nela todos os dias. A direção pra onde olho é o rude chão, de onde, penso eu, já passaram pés de todos os lugares, tamanhos e importâncias. Pés limpos, descalços, sujos de areia, de terra, calçados com um chinelo arrebentado ou pelo tênis maneiro do rapaz, e pela sandália bacana da menina. Consigo imaginar também aqueles pés que parecem sérios, cheios de graxa, e tudo o mais. Recordo-me daquelas cenas de filmes e novelas do moleque engraxate deixando o tênis do moço sempre belo e lustroso, e ganhando uma bela recompensa por isso. Coloquei então na cabeça: Moços com sapatos engraxados devem ser importantes!
       As marcas dos pés despertam meu interesse. Pés miúdos, que mal aprenderam a andar, marcam o chão que piso, assim como pés que caminham em passos largos: Uma corrida, talvez...? Ficaria horas analisando as pegadas de sujeitos desconhecidos, não fosse a pressa de pegar um ônibus. Quase piso no resultado de uma combinação de comida, restos mortais de um rato e areia. Um cocô de cachorro, suponho. Entro no chão móvel do meu meio de transporte diário. Chicletes, copos e pacotes plásticos contextualizam o chão de ônibus.

       Pela janela avisto aquelas pessoas simples, que passam por você e soltam aquele sonoro: “Boa tarde!”, é uma pena estar passando a alguns quilômetros por hora. A poeira continua, deixando a visão fosca para as fachadas das casinhas de madeira ao longo da estrada. Vejo chapéus de palha, enxadas na mão, palheiros na boca. Incrível como a simplicidade me comove! Mais adiante vejo mais pés miúdos, dessa vez correndo em disparada, para não perder o ônibus escolar. Um olhar distante me fita, e com o queixo apoiado na janela, presencia o acontecimento que é o ônibus passar por aquelas bandas, empoeirando os lugares por onde avança. Enfim chega o chão duro e preto traçado de amarelo. Agora só as árvores me acompanham ao longo da estrada. Tenho sono e acabo adormecendo.
       Ao abrir os olhos, já é a cena urbana que se mostra pela janela. Desço do meio de transporte coletivo, e quando piso no chão, já estou em outra cidade. Pressa, correria, distanciamento. E aí já não consigo analisar os pés que se põe no meu caminho. Agora eles não deixam marcas na areia. As pessoas estão muito ocupadas para se preocupar com qualquer coisa. A poeira já não é poética, é irritante. As pessoas já não dizem um coletivo Boa tarde, sussurram entre elas sobre seu modo de vestir. Aumentam o número de sapatos engraxados, mas agora eu não os acho tão importantes. Descubro que meus olhos podem enxergar mais do que o 'arreio' cotidiano me permite. Mas às vezes enxergar tanta hipocrisia, falta de compaixão, descompromisso e ignorância sem poder fazer nada, não fazem bem pra retina. Não pra minha.


(Exercício desenvolvido para a matéria de Redação 3, sob orientação do prof. Guilherme Diefenthaeler)

O escafandro e a borboleta

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Como se sentir estando preso dentro de si mesmo?
       Incrível como temos necessidade de comunicação. A simplicidade de um gesto comunica. Palavras comunicam. Até um silêncio acompanhado de uma expressão facial comunica. Mas e se algo o privasse de poder usar artifícios gestuais, de poder pronunciar palavras, de ter alguma expressão?  Eu tentaria me comunicar de qualquer jeito. E foi exatamente isso que fez Bauby, com seu incrível meio de comunicação, chamado olho esquerdo. Imaginação, memória, espírito criativo e vontade de escrever sobre o cotidiano, permeiam a vida de um jornalista, e quando nada disso pode ser realizado, a metáfora ‘escafandro’ cabe como uma luva. Debater-se dentro de si, gritar, espernear e os outros só enxergarem o seu olho mexer, é assustador e nos faz refletir se estamos fazendo o possível para transmitir o que pensamos, ou o que desejamos que os outros saibam.
A capacidade de percepção, a paciência, e a sensibilidade mostradas pelo editor, trazem à tona os atributos para se tornar um bom jornalista, o que não acontece com muitos dos que hoje atuam nas redações de todos os lugares. Os olhos se tornaram a única janela que mantinham Bauby em contato com o mundo, e foram os olhos que o mantiveram vivo, pela capacidade que tinham de substituir qualquer palavra que pudesse ser dita.  Aprender a observar, notar, analisar, prestar atenção em todos os detalhes fazem parte da construção dessa profissão, e quem não conseguir perceber isso, poderá ficar preso dentro do escafandro, sem poder sequer encontrar um meio de dizer ao mundo que está aqui.


(Exercício sobre o filme “O escafandro e a borboleta”, desenvolvido para a matéria de Redação 3, sob orientação do prof. Guilherme Diefenthaeler.)