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É estranho?

Postado por Mayara Silva sábado, 26 de junho de 2010 1 comentários


        Já era senhor de idade, uns sessenta, talvez. Os pés descalços, a touca rasgada e a camiseta de promoção virada do avesso, conferiam-lhe o rótulo de mendigo. Empurrava um gigante carrinho com papelões, caixas, entulhos e espelhos quebrados. Quase diariamente estacionava seu pesado meio de vida na praça, e sentava para descansar. A boca quase sem dentes, sorria abertamente, carinhosamente, gratuitamente. De uma simpatia e conversa indiscutíveis, ele contava que quando era mais moço morava ali naquela rua, e era dono de muitos terrenos, por isso todos o respeitavam. Depois ria novamente, o que deixava as pessoas apreensivas pelo seu estado de sanidade. Ele nem ligava, acelerava os passos, e avançava cidade adentro, em busca de novos entulhos. “Um agradinho pra moça?” disse aquele homem tatuado, quando oferecia ao enamorado, brincos de ferros retorcidos que ele mesmo fazia, a fim de pagar as contas e o almoço do dia seguinte. Sem obter resposta, o homem viu o casal sair em disparada, com a sensação de que ele pudesse os atacar em plena sexta-feira, numa praça lotada de gente. O hippie sorriu e balbuciou: -jovens... Mas na verdade, seu coração apertou, porque lembrou-se de quando tinha uma namorada, de quando recebia amor, de quando ainda era considerado gente. Do outro lado, um rapaz calçava um par de tênis muito sujo, que aparentava estar ainda mais sujo, pelo fato de ser usado sem meias. Os braços arrepiados do frio, a bermuda pesando toda sua umidade. Mesmo assim, o rapaz alto e magro olhava para o céu. Olhava para cima como se alguém lá do alto o pudesse ver e ouvir. Então fechou os olhos e orou em voz alta. Nunca tinha feito aquilo em público, mas as novas situações pediam algo drástico. Ele pediu para que pudesse apenas comer. A última coisa que seus dentes tocaram foi em um pão seco que de tão duro quase lhe arrebenta as gengivas, já fracas pela falta de escovação. Pediu também um lugar bom pra dormir, já que as frias noites da cidade o enfraqueciam os pulmões. Não se esqueceu de pedir pelos amigos, já que sempre recebeu apoio, e caso o cara lá de cima quisesse ajudar, teria que ajudá-los também. Achou suficiente e parou. Abriu os olhos, e em volta as pessoas o olhavam com ar de desprezo e medo. Não sou louco, ele pensava. A menina com jeito de colegial fitava aquele grupo com tamanho ar de superioridade, que seu nojo era transmitido a quilômetros. A senhora de saias passava longe. O cara de terno quase esbarrou quando falava ao celular, mas logo depois se limpou inteiro, já que aqueles homens fediam tanto que poderiam transmitir alguma doença.
Somos como vocês, o rapaz pensou. De carne, osso e pecados, pensou de novo. Agora ele respirava ódio. Nem parecia o rapaz simpático de outrora, que carregava as sacolas de mercado da mãe e ajudava o pai no trabalho. A bebida, as drogas, as brigas, o HIV. A mãe expulsou chorando, o pai deu-lhe um soco que sangrou. Mas sangrou do lado de dentro, onde ninguém poderia conter a hemorragia. Agora ele estava ali, parado feito uma estátua, cheio de lágrimas nos olhos, frente a um povo que só conseguia o evitar e desprezar. As pessoas se dispersaram, olhando apreensivas para aqueles estranhos que por algum motivo habitavam o mesmo mundo que elas. O rapaz concluiu a oração com o sinal da cruz, e foi em busca de um bom lugar pra dormir. O hippie sentou-se no banco, esperando o avanço das horas, para poder dormir ali mesmo, em cima de seu confortável papelão. Os estranhos então repousaram sob o atento olhar daqueles que contraditoriamente se julgam normais. 

* Livremente inspirado nos adoráveis estranhos noturnos que transitam nas imediações da Praça Nereu Ramos, no centro de Joinville.

Sobre isso aqui!

Postado por Mayara Silva sexta-feira, 4 de junho de 2010 0 comentários

Como sou principiante por aqui, inicio o blog Livres anseios dizendo que publicarei tanto textos de minha autoria - como crônicas e pensamentos - , quanto textos de outros autores que achar interessante. Também é um espaço para divulgar as matérias e reportagens desenvolvidas na faculdade de jornalismo, além de um espaço para imagens, vídeos e qualquer outra coisa que exista entre o céu e a terra (na qual eu me interesse, é claro). Portanto, como o próprio nome indica, é um espaço para os livres anseios dessa acadêmica que vos fala.

Seguindo essa linha de livres publicações, divulgo uma lista de filmes que abordam o tema jornalismo, indicados pelo professor Gleber Pieniz, do Bom Jesus Ielusc. Para quem procura mais sobre o tema, Gleber ainda indicou o livro Jornalismo no cinema, de Christa Berger (Porto Alegre: UFRGS, 2002).


Cidadão Kane (Orson Welles)
A montanha dos sete abutres (Billy Wilder)
A doce vida (Federico Fellini)
Blow up - Depois daquele beijo (Michelangelo Antonioni)
Terra em transe (Glauber Rocha)
O bandido da luz vermelha (Rogério Sganzerla)
Primeira página (Billy Wilder)
O passageiro - Profissão repórter (Michelangelo Antonioni)
Todos os homens do presidente (Alan Pakula)
Rede de intrigas (Sidney Lumet)
Reds (Warren Beatty)
Os gritos do silêncio (Roland Joffe)
Os donos do poder (Sidney Lumet)
A era do rádio (Woody Allen)
Nos bastidores da notícia (James Brooks)
Ele disse/Ela disse (Ken Kwapis e Marisa Silver)
O jornal (Ron Howard)
Assassinos por natureza (Oliver Stone)
O quarto poder (Costa Gavras)
Mera coincidência (Barry Levinson)
Bem-vindo a Sarajevo (Michael Winterbotton)
Velvet goldmine (Todd Haynes)
O informante (Michael Mann)
Quase famosos (Cameron Crowe)
Crônica de uma certa Nova York (Stanley Tucci)
Hype! (Doug Pray)
Ao vivo de Bagdá (Mick Jackson)
Borat - O segundo melhor repórter do glorioso país Casaquistão viaja à América (Larry Charles)
Fahrenheit - 11 de setembro (Michael Moore)
Tiros em Columbine (Michael Moore)
Off screen (Pieter Kuijpers)
Boa noite e boa sorte (George Clooney)