O portão de alumínio quase me ensurdece os ouvidos. Caminho uns passos e ouço o barulho do mar. Está calmo hoje, penso. Então observo a rua de terra. Batida, poeirenta, quem sabe simpática por me deixar pisar nela todos os dias. A direção pra onde olho é o rude chão, de onde, penso eu, já passaram pés de todos os lugares, tamanhos e importâncias. Pés limpos, descalços, sujos de areia, de terra, calçados com um chinelo arrebentado ou pelo tênis maneiro do rapaz, e pela sandália bacana da menina. Consigo imaginar também aqueles pés que parecem sérios, cheios de graxa, e tudo o mais. Recordo-me daquelas cenas de filmes e novelas do moleque engraxate deixando o tênis do moço sempre belo e lustroso, e ganhando uma bela recompensa por isso. Coloquei então na cabeça: Moços com sapatos engraxados devem ser importantes!
As marcas dos pés despertam meu interesse. Pés miúdos, que mal aprenderam a andar, marcam o chão que piso, assim como pés que caminham em passos largos: Uma corrida, talvez...? Ficaria horas analisando as pegadas de sujeitos desconhecidos, não fosse a pressa de pegar um ônibus. Quase piso no resultado de uma combinação de comida, restos mortais de um rato e areia. Um cocô de cachorro, suponho. Entro no chão móvel do meu meio de transporte diário. Chicletes, copos e pacotes plásticos contextualizam o chão de ônibus.
Pela janela avisto aquelas pessoas simples, que passam por você e soltam aquele sonoro: “Boa tarde!”, é uma pena estar passando a alguns quilômetros por hora. A poeira continua, deixando a visão fosca para as fachadas das casinhas de madeira ao longo da estrada. Vejo chapéus de palha, enxadas na mão, palheiros na boca. Incrível como a simplicidade me comove! Mais adiante vejo mais pés miúdos, dessa vez correndo em disparada, para não perder o ônibus escolar. Um olhar distante me fita, e com o queixo apoiado na janela, presencia o acontecimento que é o ônibus passar por aquelas bandas, empoeirando os lugares por onde avança. Enfim chega o chão duro e preto traçado de amarelo. Agora só as árvores me acompanham ao longo da estrada. Tenho sono e acabo adormecendo.
Ao abrir os olhos, já é a cena urbana que se mostra pela janela. Desço do meio de transporte coletivo, e quando piso no chão, já estou em outra cidade. Pressa, correria, distanciamento. E aí já não consigo analisar os pés que se põe no meu caminho. Agora eles não deixam marcas na areia. As pessoas estão muito ocupadas para se preocupar com qualquer coisa. A poeira já não é poética, é irritante. As pessoas já não dizem um coletivo Boa tarde, sussurram entre elas sobre seu modo de vestir. Aumentam o número de sapatos engraxados, mas agora eu não os acho tão importantes. Descubro que meus olhos podem enxergar mais do que o 'arreio' cotidiano me permite. Mas às vezes enxergar tanta hipocrisia, falta de compaixão, descompromisso e ignorância sem poder fazer nada, não fazem bem pra retina. Não pra minha.
(Exercício desenvolvido para a matéria de Redação 3, sob orientação do prof. Guilherme Diefenthaeler)
Como se sentir estando preso dentro de si mesmo? |
(Exercício sobre o filme “O escafandro e a borboleta”, desenvolvido para a matéria de Redação 3, sob orientação do prof. Guilherme Diefenthaeler.)
Contar histórias reais é o que me fascina.
|
O rosto forte da autora que me inspira |
"A princípio bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos. Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis.
Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica e uma temporada num spa cinco estrelas.
E quanto ao amor? Ah, o amor... não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar a luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito. É o que dá ver tanta televisão. Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista."
Martha Medeiros.
Fragmento retirado do texto "Felicidade Realista".
O trecho acima foi extraído do filme ‘Tiros em Columbine’ (Bowling for Columbine, 2002) de Michael Moore. O vídeo é uma breve explicação em desenho animado sobre a história do medo nos EUA. A descrição acima soaria até fofa, se não fosse cruel. O filme/documentário gira em torno da tragédia no estado do Colorado, mais precisamente na escola de Columbine High School. No ano de 1999, dois jovens munidos de duas escopetas, uma pistola semi-automática e um rifle de assalto de 9 mm assassinaram treze colegas e um professor, e logo depois se mataram. O filme trata do fascínio dos norte-americanos em possuir armas. Tiros em Columbine foi tão premiado quanto severamente atacado, até porque Moore critica abertamente seu próprio país, levantando a discussão sobre a violência a âmbito mundial.
Cidadão Kane (Orson Welles)
A montanha dos sete abutres (Billy Wilder)
A doce vida (Federico Fellini)
Blow up - Depois daquele beijo (Michelangelo Antonioni)
Terra em transe (Glauber Rocha)
O bandido da luz vermelha (Rogério Sganzerla)
Primeira página (Billy Wilder)
O passageiro - Profissão repórter (Michelangelo Antonioni)
Todos os homens do presidente (Alan Pakula)
Rede de intrigas (Sidney Lumet)
Reds (Warren Beatty)
Os gritos do silêncio (Roland Joffe)
Os donos do poder (Sidney Lumet)
A era do rádio (Woody Allen)
Nos bastidores da notícia (James Brooks)
Ele disse/Ela disse (Ken Kwapis e Marisa Silver)
O jornal (Ron Howard)
Assassinos por natureza (Oliver Stone)
O quarto poder (Costa Gavras)
Mera coincidência (Barry Levinson)
Bem-vindo a Sarajevo (Michael Winterbotton)
Velvet goldmine (Todd Haynes)
O informante (Michael Mann)
Quase famosos (Cameron Crowe)
Crônica de uma certa Nova York (Stanley Tucci)
Hype! (Doug Pray)
Ao vivo de Bagdá (Mick Jackson)
Borat - O segundo melhor repórter do glorioso país Casaquistão viaja à América (Larry Charles)
Fahrenheit - 11 de setembro (Michael Moore)
Tiros em Columbine (Michael Moore)
Off screen (Pieter Kuijpers)
Boa noite e boa sorte (George Clooney)
Mayara Francine da Silva e Vivian Carolini Braz
(Reportagem desenvolvida para a disciplina de Redação 3, sob orientação do professor Guilherme Diefenthaeler.)
Trinta segundos e o sinal se fecha. Para os que sobrevivem da arte de rua, significa o início do espetáculo. A cortina se abre. Dela podem sair estátuas-vivas, malabaristas e pirofagistas, que utilizam os metros de asfalto como o único palco disponível. Tais personagens já fazem parte do dia a dia de quem passa pelas ruas centrais de Joinville. Mas manifestações artísticas desse gênero são vetadas por lei na cidade do festival de dança. O gerente de permissões e concessões da Conurb, Humberto Mafra, explica que usar os sinais para tais atividades pode atrapalhar a atenção dos motoristas e tumultuar o trânsito. Por isso, a proibição. Mafra cita as leis 175/2004 e 84/2000 e afirma que, quando o órgão encontra alguém fazendo apresentações nos semáforos, orienta para que deixe o local. Do contrário, multa.
Como a maioria dessas pessoas não têm outra fonte de renda, a Secretaria de Assistência Social criou um projeto que promete oportunidades para resgatar a cidadania de quem vive nas ruas. Batizado de Porto Seguro, o projeto coordenado por Márcio Sell atende 191 pessoas, promovendo ações como encaminhamentos para tratamento de dependência química, inclusão em programas de alfabetização, inserção no mercado de trabalho, albergue e, em alguns casos, fornecimento de cestas básicas. As atividades são realizadas na sede da secretaria, no bairro Bucarein. Marcio afirma que a maioria dos artistas de rua não mora em Joinville. “Eles ouvem as orientações, mas não se submetem ao nosso acompanhamento.” O último caso dessa natureza atendido pelo projeto foi em 2007, e, desde então, a pessoa não foi mais vista nas ruas.
Uma graça em troca de um sorriso
O palhaço aparece para fazer seu número com malabares. Nos míseros segundos de apresentação, carros buzinam, motoristas fingem falar ao telefone, vidros da janela se fecham repentinamente, e poucos ajudam o homem vestido com meias coloridas, chapéu de bobo da corte e nariz vermelho. O personagem que traz cor ao semáforo da rua Padre Carlos, no Centro, é o gaúcho Luciano Himmer, 33 anos, dez dedicados à arte. Quando se desfaz de seus trajes, a feição muda de alegre para cansada, e ele explica que havia muito tempo não parava nos sinais. “Só voltei porque preciso pagar o aluguel.” Quando menino, a diversão era assistir aos episódios do seriado “Os Trapalhões” e dar risada com as aventuras de Dedé, Didi, Mussum e Zacarias, seus ídolos de infância e a quem atribui sua admiração pelo circo.
Luciano encontrou nos espetáculos circenses uma forma de unir talento e trabalho, ganhando dinheiro com aquilo que gosta. “Cresci com a arte, faço teatro de escola desde os 8 anos, e sempre estive envolvido nesse meio”, diz. O olhar firme e os argumentos concretos indicam que ele fala como profissional. Aliás, ninguém pode dizer que o trabalho realizado pelo Grupo Lúdico Teatral, fundado por Luciano, não é sério. Acompanhado pela esposa e por uma amiga, o artista atende empresas, eventos e aniversários de crianças, ganhando muito mais, aí, do que nos sinais. Fundado em 2009, o grupo pesquisa e desenvolve técnicas circenses, aliadas à música e ao teatro. Além do malabarismo, eles realizam apresentações com pirofagia, monociclo e perna-de-pau, incluindo pinturas no rosto e esculturas em balão, quando o evento pede. “Já temos uma sede própria, onde vendo objetos e pretendo dar aulas de circo”, diz, entusiasmado. Recentemente, o grupo foi visto pelo público no desfile de 159 anos de Joinville, representando a Rádio Mais FM, no Dia das Crianças do Supermercado Angeloni, e no aniversário da Galeria 9 de Março, em Joinville.
Por meio de sua arte, Luciano já circulou por outros estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, e pelo menos uma vez fora do Brasil, no Uruguai. Porém, diz que o único lugar em que teve problema ao expor seu trabalho foi Santa Catarina. “Houve uma vez em que tomaram minhas claves e me humilharam. Não precisavam ter agido assim, achei desumano, uma falta de respeito.” Luciano é contra a proibição aos artistas de rua nos semáforos e salienta que o que faz deve ser visto como um trabalho. “Não sou pedinte. Tem gente que não faz nada e pede. Eu faço minha arte e não obrigo ninguém a dar dinheiro. Se ganhar ao menos um sorriso, já me sinto melhor”, diz.
Formada em artes cênicas com habilitação em interpretação teatral pela faculdade de Artes do Paraná (FAP) e mestranda em teatro pela Udesc de Florianópolis, Daiane Dordete também discorda da legislação municipal. Daiane reconhece o caráter artístico das apresentações realizadas nas vias públicas por pessoas que não são profissionais. Diz que não há como generalizar a qualificação de “artistas de rua”, que abrangeria desde um violeiro cego que encontrou uma forma menos burocrática de se sustentar até os malabaristas e estátuas-vivas. Ela compara essa expressão artística com alguns formatos americanos. “Como os stand-up comedies, que viraram febre nos bares e teatros. Ou será que um modelo americano é considerado mais artístico que o malabar ou a estátua-viva?”
Daiane observa ainda que não há uma cultura voltada ao consumo de “arte local”, apenas aquela mostrada pela televisão, global, nacional e importada. “Toda manifestação artística tem demanda de público e clientes. Há público para todos, profissionais e amadores, acadêmicos e populares.” Ela comenta que falta divulgação e difusão desse tipo de produção – os profissionais recebem algum incentivo via projetos de lei, mas ainda é pouco e para poucos. “Talvez o mais rápido seja ir para a rua mesmo. Ou ser artista só por diversão, no tempo livre”, completa.
A Fundação Cultural de Joinville (FCJ) reconhece que os semáforos abrigam muitos artistas populares e lembra até de alguns casos recentes de performances levadas às ruas por artistas profissionais mais conhecidos, como Carlos Franzói. Porém, questiona a falta de segurança adequada para esse tipo de intervenção de forma sistemática. “Entendemos que é preciso pensar na questão da segurança, e também na livre expressão. O assunto não se esgota em uma frase ou em uma regulamentação”, ressalta a FCJ, por meio de sua assessoria de imprensa. Uma saída para os artistas que se interessem em profissionalizar seu trabalho, segundo a fundação, é fazer a inscrição de um projeto no Sistema Municipal de Desenvolvimento pela Cultura (Simdec), que contempla projetos voltados à cultura popular. A assessoria diz que, no lançamento da edição 2010, representantes da arte circense buscaram informações sobre como proceder, e agora a questão depende da iniciativa dos grupos/artistas, assim como de projetos bem fundamentados.
Um guerreiro prateado
Seu nome é Jonny, e das 9 da manhã à 1 e meia da tarde ele é feito de prata. Não tem um cavalo, nem uma armadura medieval, mas enfrenta monstros muito piores que os da Idade Média. Pintado dos pés à cabeça com tinta da cor do minério, o homem finge ser feito de parafusos, de fios eletrificados, e simula precisar ser abastecido por fluidos e óleos. Jonny de Oliveira, 33 anos, é estátua-viva e faz da rua seu palco. Natural de São Francisco do Sul, mora em Joinville há 17 anos e trabalha há 12 com arte nas ruas. Atua de segunda a sábado na Rua Mário Lobo, no Centro, e está preparado para encarnar mais de 70 personagens, como Hades, Poseidon e o Cristo Redentor. “A maioria é da mitologia grega”, diz, orgulhoso.
Jonny não tem outra fonte de renda, além das ruas. Conta que o desespero o levou a procurar essa forma de ganhar dinheiro. Seu filho havia acabado de nascer, o rapaz estava desempregado e precisava sustentar a criança de alguma forma. Iniciou seu contato com a arte por intermédio de um amigo. “Ele perguntou se eu queria trabalhar, eu disse que sim, nem perguntei o que era para fazer.” Nunca lidou com teatro, aprendeu tudo o que sabe a partir da influência de seu amigo, natural de Minas Gerais. Apesar da família de Jonny aceitar sua profissão, ele diz que não deseja que o filho siga a mesma carreira, em função do preconceito que sofre. “Sou vítima do preconceito todos os dias, é uma coisa que vem de berço no brasileiro. O povo já é educado com o preconceito, mas eu finjo que não existe.” Ele se revolta quando relata que, a cada 10 pessoas que passam por ele nos semáforos, cinco criticam, duas ajudam e três são indiferentes.
O artista lamenta que as autoridades não vejam sua atividade como arte. “Dizem que é constrangedor um cidadão estender um chapéu para um carro num semáforo. Para mim, constrangedor é ver o próprio filho pedir comida e você não poder dar.” Ele afirma que alguns políticos já lhe prometeram cursos, ajuda financeira e emprego com carteira assinada, mas nada fizeram. “Fui enganado, cortaram minha luz e me despejaram de casa. Depois vieram com cestas básicas.”
Jonny diz que pensa em abandonar o trabalho nas ruas neste ano. “Não sou mais um garoto.” Ele afirma que, há 12 anos, a população demonstrava mais interesse, tinha mais curiosidade. “Quanto menor a cidade, maior o espanto”.
Quem sou eu
- Mayara Silva
- Estudante de jornalismo, apaixonada por fotografia, literatura, natureza, poesia e música.
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Relato da percepção do cotidiano
As marcas dos pés despertam meu interesse. Pés miúdos, que mal aprenderam a andar, marcam o chão que piso, assim como pés que caminham em passos largos: Uma corrida, talvez...? Ficaria horas analisando as pegadas de sujeitos desconhecidos, não fosse a pressa de pegar um ônibus. Quase piso no resultado de uma combinação de comida, restos mortais de um rato e areia. Um cocô de cachorro, suponho. Entro no chão móvel do meu meio de transporte diário. Chicletes, copos e pacotes plásticos contextualizam o chão de ônibus.
Pela janela avisto aquelas pessoas simples, que passam por você e soltam aquele sonoro: “Boa tarde!”, é uma pena estar passando a alguns quilômetros por hora. A poeira continua, deixando a visão fosca para as fachadas das casinhas de madeira ao longo da estrada. Vejo chapéus de palha, enxadas na mão, palheiros na boca. Incrível como a simplicidade me comove! Mais adiante vejo mais pés miúdos, dessa vez correndo em disparada, para não perder o ônibus escolar. Um olhar distante me fita, e com o queixo apoiado na janela, presencia o acontecimento que é o ônibus passar por aquelas bandas, empoeirando os lugares por onde avança. Enfim chega o chão duro e preto traçado de amarelo. Agora só as árvores me acompanham ao longo da estrada. Tenho sono e acabo adormecendo.
Ao abrir os olhos, já é a cena urbana que se mostra pela janela. Desço do meio de transporte coletivo, e quando piso no chão, já estou em outra cidade. Pressa, correria, distanciamento. E aí já não consigo analisar os pés que se põe no meu caminho. Agora eles não deixam marcas na areia. As pessoas estão muito ocupadas para se preocupar com qualquer coisa. A poeira já não é poética, é irritante. As pessoas já não dizem um coletivo Boa tarde, sussurram entre elas sobre seu modo de vestir. Aumentam o número de sapatos engraxados, mas agora eu não os acho tão importantes. Descubro que meus olhos podem enxergar mais do que o 'arreio' cotidiano me permite. Mas às vezes enxergar tanta hipocrisia, falta de compaixão, descompromisso e ignorância sem poder fazer nada, não fazem bem pra retina. Não pra minha.
(Exercício desenvolvido para a matéria de Redação 3, sob orientação do prof. Guilherme Diefenthaeler)
O escafandro e a borboleta
Como se sentir estando preso dentro de si mesmo? |
(Exercício sobre o filme “O escafandro e a borboleta”, desenvolvido para a matéria de Redação 3, sob orientação do prof. Guilherme Diefenthaeler.)
Futuro.
Contar histórias reais é o que me fascina.
|
Lispector minha de cada dia.
O rosto forte da autora que me inspira |
Felicidade Realista
Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica e uma temporada num spa cinco estrelas.
E quanto ao amor? Ah, o amor... não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar a luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito. É o que dá ver tanta televisão. Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista."
Martha Medeiros.
Fragmento retirado do texto "Felicidade Realista".
Tiros em Columbine
O trecho acima foi extraído do filme ‘Tiros em Columbine’ (Bowling for Columbine, 2002) de Michael Moore. O vídeo é uma breve explicação em desenho animado sobre a história do medo nos EUA. A descrição acima soaria até fofa, se não fosse cruel. O filme/documentário gira em torno da tragédia no estado do Colorado, mais precisamente na escola de Columbine High School. No ano de 1999, dois jovens munidos de duas escopetas, uma pistola semi-automática e um rifle de assalto de 9 mm assassinaram treze colegas e um professor, e logo depois se mataram. O filme trata do fascínio dos norte-americanos em possuir armas. Tiros em Columbine foi tão premiado quanto severamente atacado, até porque Moore critica abertamente seu próprio país, levantando a discussão sobre a violência a âmbito mundial.
É estranho?
Sobre isso aqui!
Cidadão Kane (Orson Welles)
A montanha dos sete abutres (Billy Wilder)
A doce vida (Federico Fellini)
Blow up - Depois daquele beijo (Michelangelo Antonioni)
Terra em transe (Glauber Rocha)
O bandido da luz vermelha (Rogério Sganzerla)
Primeira página (Billy Wilder)
O passageiro - Profissão repórter (Michelangelo Antonioni)
Todos os homens do presidente (Alan Pakula)
Rede de intrigas (Sidney Lumet)
Reds (Warren Beatty)
Os gritos do silêncio (Roland Joffe)
Os donos do poder (Sidney Lumet)
A era do rádio (Woody Allen)
Nos bastidores da notícia (James Brooks)
Ele disse/Ela disse (Ken Kwapis e Marisa Silver)
O jornal (Ron Howard)
Assassinos por natureza (Oliver Stone)
O quarto poder (Costa Gavras)
Mera coincidência (Barry Levinson)
Bem-vindo a Sarajevo (Michael Winterbotton)
Velvet goldmine (Todd Haynes)
O informante (Michael Mann)
Quase famosos (Cameron Crowe)
Crônica de uma certa Nova York (Stanley Tucci)
Hype! (Doug Pray)
Ao vivo de Bagdá (Mick Jackson)
Borat - O segundo melhor repórter do glorioso país Casaquistão viaja à América (Larry Charles)
Fahrenheit - 11 de setembro (Michael Moore)
Tiros em Columbine (Michael Moore)
Off screen (Pieter Kuijpers)
Boa noite e boa sorte (George Clooney)
Espetáculos proibidos nas ruas de Joinville
Mayara Francine da Silva e Vivian Carolini Braz
(Reportagem desenvolvida para a disciplina de Redação 3, sob orientação do professor Guilherme Diefenthaeler.)
Trinta segundos e o sinal se fecha. Para os que sobrevivem da arte de rua, significa o início do espetáculo. A cortina se abre. Dela podem sair estátuas-vivas, malabaristas e pirofagistas, que utilizam os metros de asfalto como o único palco disponível. Tais personagens já fazem parte do dia a dia de quem passa pelas ruas centrais de Joinville. Mas manifestações artísticas desse gênero são vetadas por lei na cidade do festival de dança. O gerente de permissões e concessões da Conurb, Humberto Mafra, explica que usar os sinais para tais atividades pode atrapalhar a atenção dos motoristas e tumultuar o trânsito. Por isso, a proibição. Mafra cita as leis 175/2004 e 84/2000 e afirma que, quando o órgão encontra alguém fazendo apresentações nos semáforos, orienta para que deixe o local. Do contrário, multa.
Como a maioria dessas pessoas não têm outra fonte de renda, a Secretaria de Assistência Social criou um projeto que promete oportunidades para resgatar a cidadania de quem vive nas ruas. Batizado de Porto Seguro, o projeto coordenado por Márcio Sell atende 191 pessoas, promovendo ações como encaminhamentos para tratamento de dependência química, inclusão em programas de alfabetização, inserção no mercado de trabalho, albergue e, em alguns casos, fornecimento de cestas básicas. As atividades são realizadas na sede da secretaria, no bairro Bucarein. Marcio afirma que a maioria dos artistas de rua não mora em Joinville. “Eles ouvem as orientações, mas não se submetem ao nosso acompanhamento.” O último caso dessa natureza atendido pelo projeto foi em 2007, e, desde então, a pessoa não foi mais vista nas ruas.
Uma graça em troca de um sorriso
O palhaço aparece para fazer seu número com malabares. Nos míseros segundos de apresentação, carros buzinam, motoristas fingem falar ao telefone, vidros da janela se fecham repentinamente, e poucos ajudam o homem vestido com meias coloridas, chapéu de bobo da corte e nariz vermelho. O personagem que traz cor ao semáforo da rua Padre Carlos, no Centro, é o gaúcho Luciano Himmer, 33 anos, dez dedicados à arte. Quando se desfaz de seus trajes, a feição muda de alegre para cansada, e ele explica que havia muito tempo não parava nos sinais. “Só voltei porque preciso pagar o aluguel.” Quando menino, a diversão era assistir aos episódios do seriado “Os Trapalhões” e dar risada com as aventuras de Dedé, Didi, Mussum e Zacarias, seus ídolos de infância e a quem atribui sua admiração pelo circo.
Luciano encontrou nos espetáculos circenses uma forma de unir talento e trabalho, ganhando dinheiro com aquilo que gosta. “Cresci com a arte, faço teatro de escola desde os 8 anos, e sempre estive envolvido nesse meio”, diz. O olhar firme e os argumentos concretos indicam que ele fala como profissional. Aliás, ninguém pode dizer que o trabalho realizado pelo Grupo Lúdico Teatral, fundado por Luciano, não é sério. Acompanhado pela esposa e por uma amiga, o artista atende empresas, eventos e aniversários de crianças, ganhando muito mais, aí, do que nos sinais. Fundado em 2009, o grupo pesquisa e desenvolve técnicas circenses, aliadas à música e ao teatro. Além do malabarismo, eles realizam apresentações com pirofagia, monociclo e perna-de-pau, incluindo pinturas no rosto e esculturas em balão, quando o evento pede. “Já temos uma sede própria, onde vendo objetos e pretendo dar aulas de circo”, diz, entusiasmado. Recentemente, o grupo foi visto pelo público no desfile de 159 anos de Joinville, representando a Rádio Mais FM, no Dia das Crianças do Supermercado Angeloni, e no aniversário da Galeria 9 de Março, em Joinville.
Por meio de sua arte, Luciano já circulou por outros estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, e pelo menos uma vez fora do Brasil, no Uruguai. Porém, diz que o único lugar em que teve problema ao expor seu trabalho foi Santa Catarina. “Houve uma vez em que tomaram minhas claves e me humilharam. Não precisavam ter agido assim, achei desumano, uma falta de respeito.” Luciano é contra a proibição aos artistas de rua nos semáforos e salienta que o que faz deve ser visto como um trabalho. “Não sou pedinte. Tem gente que não faz nada e pede. Eu faço minha arte e não obrigo ninguém a dar dinheiro. Se ganhar ao menos um sorriso, já me sinto melhor”, diz.
Formada em artes cênicas com habilitação em interpretação teatral pela faculdade de Artes do Paraná (FAP) e mestranda em teatro pela Udesc de Florianópolis, Daiane Dordete também discorda da legislação municipal. Daiane reconhece o caráter artístico das apresentações realizadas nas vias públicas por pessoas que não são profissionais. Diz que não há como generalizar a qualificação de “artistas de rua”, que abrangeria desde um violeiro cego que encontrou uma forma menos burocrática de se sustentar até os malabaristas e estátuas-vivas. Ela compara essa expressão artística com alguns formatos americanos. “Como os stand-up comedies, que viraram febre nos bares e teatros. Ou será que um modelo americano é considerado mais artístico que o malabar ou a estátua-viva?”
Daiane observa ainda que não há uma cultura voltada ao consumo de “arte local”, apenas aquela mostrada pela televisão, global, nacional e importada. “Toda manifestação artística tem demanda de público e clientes. Há público para todos, profissionais e amadores, acadêmicos e populares.” Ela comenta que falta divulgação e difusão desse tipo de produção – os profissionais recebem algum incentivo via projetos de lei, mas ainda é pouco e para poucos. “Talvez o mais rápido seja ir para a rua mesmo. Ou ser artista só por diversão, no tempo livre”, completa.
A Fundação Cultural de Joinville (FCJ) reconhece que os semáforos abrigam muitos artistas populares e lembra até de alguns casos recentes de performances levadas às ruas por artistas profissionais mais conhecidos, como Carlos Franzói. Porém, questiona a falta de segurança adequada para esse tipo de intervenção de forma sistemática. “Entendemos que é preciso pensar na questão da segurança, e também na livre expressão. O assunto não se esgota em uma frase ou em uma regulamentação”, ressalta a FCJ, por meio de sua assessoria de imprensa. Uma saída para os artistas que se interessem em profissionalizar seu trabalho, segundo a fundação, é fazer a inscrição de um projeto no Sistema Municipal de Desenvolvimento pela Cultura (Simdec), que contempla projetos voltados à cultura popular. A assessoria diz que, no lançamento da edição 2010, representantes da arte circense buscaram informações sobre como proceder, e agora a questão depende da iniciativa dos grupos/artistas, assim como de projetos bem fundamentados.
Um guerreiro prateado
Seu nome é Jonny, e das 9 da manhã à 1 e meia da tarde ele é feito de prata. Não tem um cavalo, nem uma armadura medieval, mas enfrenta monstros muito piores que os da Idade Média. Pintado dos pés à cabeça com tinta da cor do minério, o homem finge ser feito de parafusos, de fios eletrificados, e simula precisar ser abastecido por fluidos e óleos. Jonny de Oliveira, 33 anos, é estátua-viva e faz da rua seu palco. Natural de São Francisco do Sul, mora em Joinville há 17 anos e trabalha há 12 com arte nas ruas. Atua de segunda a sábado na Rua Mário Lobo, no Centro, e está preparado para encarnar mais de 70 personagens, como Hades, Poseidon e o Cristo Redentor. “A maioria é da mitologia grega”, diz, orgulhoso.
Jonny não tem outra fonte de renda, além das ruas. Conta que o desespero o levou a procurar essa forma de ganhar dinheiro. Seu filho havia acabado de nascer, o rapaz estava desempregado e precisava sustentar a criança de alguma forma. Iniciou seu contato com a arte por intermédio de um amigo. “Ele perguntou se eu queria trabalhar, eu disse que sim, nem perguntei o que era para fazer.” Nunca lidou com teatro, aprendeu tudo o que sabe a partir da influência de seu amigo, natural de Minas Gerais. Apesar da família de Jonny aceitar sua profissão, ele diz que não deseja que o filho siga a mesma carreira, em função do preconceito que sofre. “Sou vítima do preconceito todos os dias, é uma coisa que vem de berço no brasileiro. O povo já é educado com o preconceito, mas eu finjo que não existe.” Ele se revolta quando relata que, a cada 10 pessoas que passam por ele nos semáforos, cinco criticam, duas ajudam e três são indiferentes.
O artista lamenta que as autoridades não vejam sua atividade como arte. “Dizem que é constrangedor um cidadão estender um chapéu para um carro num semáforo. Para mim, constrangedor é ver o próprio filho pedir comida e você não poder dar.” Ele afirma que alguns políticos já lhe prometeram cursos, ajuda financeira e emprego com carteira assinada, mas nada fizeram. “Fui enganado, cortaram minha luz e me despejaram de casa. Depois vieram com cestas básicas.”
Jonny diz que pensa em abandonar o trabalho nas ruas neste ano. “Não sou mais um garoto.” Ele afirma que, há 12 anos, a população demonstrava mais interesse, tinha mais curiosidade. “Quanto menor a cidade, maior o espanto”.
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